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A Dificuldade de Não Ser um AMADEUS

A dificuldade de não ser um AMADEUS

Já conviveu com alguém que é melhor que você? Na maioria das vezes é insuportável, humilhante. Mais bonita e mais rica, uma humilhação. Amadeus toca-nos nesse ponto, como lidar com a inveja e como ela nos corrói por dentro, mas como está na moda falar que não temos inveja e que somos iguais em capacidade se tornou um tabu qualquer coisa relacionado a esse pecado, porém, detesto a moda.

(Spoilers de Amadeus, aviso dado).

Amadeus é um filme, melhor dizendo, é um épico em formato de filme com a duração assustadora de três horas que conta a nós a histórica suposta rivalidade entre o jovem e brilhante músico austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e o compositor italiano Antonio Salieri (1750-1825). A suposta rivalidade tem herança longínquas com os primeiros românticos do século XVIII-XIX que enxergaram em Salieri o conservadorismo de uma época enquanto no jovem Mozart a vanguarda que só vai ser descoberta anos depois, pois encontraram suas partituras sendo usadas para enrolar peixes e outros frutos do mar em algum mercado de Viena.

Dentro desses dois há muito mistério, mas não irei adentrar nos músicos originais que possuem seus próprios dilemas, quero a história do filme e sua perspicácia na miséria humana, o primeiro pecado, a inveja.

O filme é dirigido por Miloš Forman, um checo em solo americano, falecido em 2018, mas que colocou a rivalidade romântica dos grandes nomes da música nas telas do cinema em 1984. O longa é baseado em uma peça de teatro homônimo escrita em 1979 pelo britânico Peter Shaffer que teve inspiração no drama Mótsart i Sal’yéri do russo Alexandre Puchkin (1799-1837) poeta que influenciou uma geração de autores russos como o melancólico Dostoiéviski e o apostólico Tolstói. Como podemos ver, a história de Mozart e Salieri vem de muito longe.

Ato I
                                                             
O filme se abre com uma caminhada noturna em uma mansão, empregados tentam convencer Salieri a abrir a porta de seu quarto e depois de muito tentar ao ouvir os gritos do amo arrombam a porta e veem o compositor, velho e caquético, deitado ensanguentado com uma faca na mão e correm depressa para o hospital. Ele tentou se suicidar.
Um tempo se passa e temos um padre que caminha pelo manicômio evitando os loucos para entrar em um pequeno quarto e encontrar o velho Salieri tocando clavicórdio. O padre pede a Salieri uma confissão, quer ouvir o que atormenta o velho compositor. Salieri resolve brincar com o padre, mostra a ele duas músicas esperando do seu ouvinte um toque em sua memória. São duas músicas que compôs nas mais altas cortes de Viena, mas é a terceira que não foi composta por ele, e sim, por Mozart que o padre acompanha no solfejo.

Se você assistir o filme perceberá que Mozart que não foi esquecido pelo tempo e acompanhará as músicas do austríaco enquanto conhecerá pela primeira vez as músicas do italiano e isso desagrada visivelmente o rancoroso ao perceber que foi esquecido mesmo em seus tempos áureos.

O padre insiste mais uma vez a sua confissão e Salieri melancolicamente é tomado de uma certa nostalgia começa a contar-nos a sua história que desde o início foi entrelaçada com Mozart.

Salieri ouvia desde cedo histórias sobre o prodígio e motivo de inspiração Wolfgang Mozart e sonhava que um dia tocaria grandes concertos. Deu a sua vida, trabalho e castidade a música como promessa que fez com Deus. Após a morte do pai, Salieri conseguiu acender ao mais alto cargo da música na época, compositor real de Viena ensinando ao Imperador do Sacro Império Romano-Germânico José II (1741-1790). Salieri amava a música ensinando aos futuros grandes músicos, o taciturno alemão Beethoven (1770-1827) e o imaginativo Schubert (1797-1828), os dotes da música clássica.
Quando soube que Mozart, o motivo de se admirar tanto com a música estava próximo, no Eleitorado de Salzburg, Salieri arrumou-se o mais rápido possível para procurar seu ídolo. Ao caminhar pelo palácio começou um jogo mental, ele deveria encontrar Mozart baseando-se somente em sua aparência física e atitude.

Mozart, um prodígio que escreveu seu primeiro concerto aos quatro anos! Sua primeira sinfonia aos sete! E sua ópera aos doze! Sem sombra de dúvidas seria um grande homem com uma fineza e humildade que fariam os céus se ajoelharem! Seu talento, dado por Deus, deve estar inscrito nas faces.
Não durou muito o sonho de Salieri, Mozart era um babaca, pervertido e sem modos com uma risada histérica e infantil irritante.

Ato II

Mozart era um idiota brilhante. Como Deus poderia dar tamanha graça a um completo idiota? Essa era a dúvida de Salieri que preferia acreditar na sorte de principiante do que o talento daquela criatura estranha. Adoro Darwin (1809-1882) e sua teoria de seleção natural, ela simplesmente nos diz que, no princípio, todos somos frutos do acaso e que alguns são sim melhores que outros mesmo que não gostemos. O inglês apenas nos diz de maneira cientifica e com palavras difíceis o que a filosofia dos antigos gregos veio traçando, somos frutos e dependentes da sorte cega e indiferente aos sofrimentos humanos e isso é aterrador. Uma tragédia perfeita.

Alexis Tocqueville (1805-1859), um francês na América, ao escrever sobre a democracia já aponta que a Liberdade e a Igualdade não são tão amigas. A primeira mostra que os homens são opostos, logo, alguns são melhores e poucos dentre esses melhores que levam a humanidade nas costas. A segunda ameniza o inferno daqueles que não tem capacidade, mas as custas da destruição daqueles que carregam todos nas costas. A democracia anda nesses dois extremos, o inferno da liberdade e a desgraça da igualdade, qual é o menos ruim?

José II se anima com a ideia de trazer Mozart para Viena. O alemão se tornar uma língua para ser cantada anima o compositor e com o conselho de Salieri, o austríaco parte para a corte do Império. Salieri passa dias compondo uma música no piano para impressionar seu, talvez ainda, ídolo.

O imperador pede para tocar a pequena marcha composta para Mozart que animado com a ideia de escrever uma ópera como trabalho na corte resolve ter como tema um harém deixando os conselheiros de José II horrorizados com a ideia, mas o austríaco recusa a voltar atrás na sua decisão e ao ser questionado sobre que virtude essa ópera traria, impetuosamente e batendo o pé firmemente, diz amor confrontando os italianos que, para Mozart, não conhecem o amor, ofendendo genuinamente Salieri.

A marcha que é oferecida de presente para Mozart é rapidamente mudada pelo músico. Se torna mais animada, mais festiva, se torna melhor do que a composta por Salieri que era pequena, fraca e pobre de espírito.

Madame Cavallieri, uma soprano, ela é a cantora principal de Salieri que nutre uma paixão escondida pela moça. A Madame, curiosa, pergunta sobre Mozart e sua ópera já que se tornou o centro das atenções entre os nobres que circulam por Viena e Salieri, ciumento, diz para não se envolver com o compositor... Ela está cantando na ópera de Mozart enquanto Salieri definha de ciúmes, raiva e rancor enquanto assiste a peça onde o austríaco sai louvado com a sua composição impressionando o imperador que se hipnotizou com a chuva de notas. A pior parte ainda não chegou. A troca de olhares entre a soprano e o compositor já nos diz o óbvio, os dois ficaram juntos em algum momento mesmo Mozart sendo noivo.

A criatura (claro, é mais fácil assumir uma posição superior – Salieri passa a chamar Mozart de criatura - do que assumir a própria mediocridade) tomou o coração da mulher que Salieri amava.

Salieri súplica para Deus o porquê de estar fazendo isso com ele, aquilo é uma tortura, uma humilhação. Como pode ser tão cruel de esfregar na cara de um homem sua incompetência e mediocridade?

Ato III

Mozart é colocado, por causa de Salieri, para ser julgado por um comitê para avaliar sua virtuosidade para ensinar a prima de José II o que o enfurece, ele sabe que é o melhor compositor, como alguém da estatura dele é colocado para ser julgado por pessoas que são inferiores? Imagino que esse foi o pensamento do músico que tem pitadas intensas de arrogância na sua personalidade zombeteira.

A sua esposa, Mozart se casou para contrariar o pai, vai até Salieri as escondidas, pois o músico é muito teimoso, para que este avalie as partituras. Naquele instante enquanto olha as partituras percebe a sua inferioridade. Não há uma correção, uma única nota errada, nada, perfeito em todos os níveis. O que é a inveja que não um sentimento de esterilidade do invejoso? O invejoso inveja a capacidade do outro de criar, de conceber.
Por que acha que Satanás detesta tanto Deus?

Porque Deus esfrega na cara do demônio que ele é estéril, não produz, não gera, não cria, não constrói. O invejoso é apenas uma terra seca que nada nasce e inveja aquilo que cria, pois é esfregado na sua face a sua mediocridade. Salieri, você é o medíocre por isso não compreendeu o que Mozart escreveu, mas admira o que foi construído.

Salieri chantageia a esposa de Mozart e que volte ao palácio a meia noite, sozinha. Salieri passa o resto do dia rezando para que ela não retorne, nunca mais apareça, mas para o seu pesadelo ela aparece e se despe para ele. A culpa se torna pesada demais e o compositor recua e se tranca no quarto e inicia sua cruzada contra Deus queimando a cruz e preparando-se para derrubar a sua criação.

Salieri envia uma empregada para a casa dos Mozarts e conta ao invejoso todas as dificuldades financeiras. Não há um aluno porque o compositor é orgulhoso demais, vivem brigando por causa da situação financeira que ruí rapidamente. Salieri dá a seguinte ordem a empregada, quando o casal sair de casa ela o chamasse rapidamente e é o que acontece. O italiano entra no apartamento do casal, descobre que eles se sustentam vendendo os próprios móveis, caminha para o escritório e encontra a prova que irá incriminar Mozart. As Bodas de Fígaro.

Um pouco de contexto histórico.
Le Nozze di Figaro é uma opera buffa, uma ópera cômica, composta por Mozart que estreou em 1786 baseado no libreto do italiano Lorenzo da Ponte (1749-1838) que se inspirou na peça de mesmo nome Le Mariage de Figaro do faz-tudo - ele foi de espião da corte francesa até horticultor e deu umas pontas para dança balé - Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732-1799). A peça foi proibida na corte do imperador José II devido a sua crítica bem-humorada e sarcasticamente ácida da nobreza colocando em pé de igualdade um conde e um homem comum, o Fígaro.

O compositor é trazido para José II para explicar por que estava escrevendo uma ópera a uma história tão subversiva em um período que iniciaria a era das revoluções, 1789 e as cabeças que rolarão na Praça da Concórdia em Paris estava se aproximando a cavalo. Mozart tenta defender a sua obra, dizer que pouco se importa com política ou qualquer coisa que a nobreza levasse como credo, o filme o retrata como vanguardista. Depois de muita discussão, José II permite que Mozart comece os ensaios para desgosto de Salieri que começa a segunda parte do plano, o balé.

O balé foi proibido por ser considerado vulgar e Salieri, conhecendo a obra Fígaro, convence dois dos conselheiros do imperador a assistirem e verem o ultrajante balé levando a incredulidade dos enviados e a rasgarem várias partes do terceiro ato da ópera do austríaco que procura socorro em Salieri que mente sobre pedir ao imperador que reveja a sua lei para Mozart poder continuar a sua ópera.

Salieri já tinha pensado em uma desculpa, alguma coisa boba para falar, mas, eis que de repente, por um acaso, o imperador que nunca assistiu nenhum ensaio resolve assistir justamente a de Mozart. José II acha estúpida a cena sem a música, sem a dança, sem o balé e ordena que o compositor coloque novamente e deixe-a como estava para o ódio de Salieri, aceitou a grandiosidade do terceiro ato - uma humilhação - e rejuvenescimento de Mozart que passou a ter Salieri como grande amigo.
Deus tocou e deu inspiração a Amadeus.

“Salieri - Ouvi a música do verdadeiro perdão enchendo o teatro, conferindo a todos os presentes, a absolvição perfeita. Deus estava cantando através deste homenzinho para todo o mundo, imparável, tornando minha derrota mais amarga a cada compasso que passava.”

Mas o imperador bocejou condenando todo o trabalho de Mozart, a vitória é de Salieri.
Mozart se torna grande amigo de Salieri que ouve as reclamações justas do amigo. A ópera do austríaco foi encenada apenas nove vezes o que enfurece o compositor enquanto Salieri tenta acalmar o seu novo arqui-amigo. Durante um momento de cólera Mozart pergunta o que Salieri achou de Fígaro, um momento breve de silêncio se segue e o invejoso é forçado admitir, maravilhosa.
Dessa vez é Salieri que vai para o teatro apresentar a sua nova ópera sendo louvado de pé pelo imperador e recebendo o maior prêmio de Viena enquanto Mozart assiste a peça, mas saindo ao final, inicialmente achamos que por inveja, mas porque queria ser o primeiro a congratular seu amigo deixando Salieri visivelmente confuso e até mesmo constrangido, pela culpa? Talvez.
Mozart volta para casa, bêbado e acompanhado e ao chegar recebe a notícia do falecimento do pai e magoado escreve Don Giovanni em 1787, mas por influência secreta de Salieri a ópera fada em cinco apresentações, mas Salieri, enlouquecido de culpa e ódio assiste todas religiosamente. O velho amargo que ainda usa Mozart como ferramenta para sua inspiração e nesse momento temos o último plano de Salieri para finalmente derrubar Mozart para sempre enquanto demônios entram no palco e na mente do enlouquecido.

Ato IV

Salieri vestindo uma fantasia negra como a noite e assustadora como a morte bate na porta do alcoólatra Mozart que se perguntava onde falhou. Salieri ordena que Mozart componha um réquiem, uma música fúnebre, e pagará bem caso seja rápido deixando o compositor assustado e ao mesmo tempo curioso que aceita o trabalho.

“Salieri - Meu plano era tão simples. Isso me apavorou. Primeiro devo obter a missa da morte e, então, devo alcançar sua morte.
Padre - O quê?
Salieri - Seu funeral! Imagine só, a catedral, toda Viena sentada ali, seu caixão, o caixãozinho de Mozart no meio, e então, naquele silêncio, música! Uma música divina irrompe sobre todos eles. Uma grande massa de morte! Missa de réquiem para Wolfgang Mozart, composta por seu devotado amigo Antonio Salieri! Oh, que sublimidade, que profundidade, que paixão na música! Salieri foi finalmente tocado por Deus. E Deus é obrigado a ouvir! Impotente, impotente para detê-lo! Eu, pela primeira vez no final, rindo dele! [pausa] A única coisa que me preocupava era o assassinato real. Como é que alguém faz isso? Hmmm? Como se mata um homem? Uma coisa é sonhar com isso; muito diferente quando, quando você, quando você tem que fazer isso com as próprias mãos.”

Mozart passa a ir a teatros baratos, bebidas se tornam suas companheiras e súplica que o contratem como professor particular. As dívidas não param de acumular e a pressão de escrever novas óperas para serem vendidas a preços baixíssimos se acumula o enlouquecendo aos poucos, mas é o réquiem, o réquiem sombrio, a harmonia obscura, as notas tenebrosas que o enlouquecido Mozart consegue ouvir, ecoando no seu cérebro, a sua obsessão, é a ela que devota sua inspiração divina, o seu próprio fim.

A esposa o abandona e apenas Salieri, somente Salieri, fica ao lado dele e é o primeiro a perceber a rápida doença que consome o corpo e mente de Mozart que enche Salieri de elogios, pois o italiano sempre assistiu as suas óperas deixando o próprio desconcertado.
Ouve-se batidas na porta, Mozart aterrorizado com a possibilidade que seja a figura encapuzada pede a Salieri que atenda a porta e diga para dar mais tempo para terminar o réquiem e dinheiro. Ao atender a porta Salieri se depara com os atores da peça que Mozart compôs perguntando sobre a saúde do músico que são acalmados por Salieri e entregando o pagamento da composição.

Salieri volta ao quarto onde está o pálido e fraco Mozart e mente dizendo que a figura deu um ultimato, até amanhã de manhã, uma única noite ele deve terminar o Réquiem deixando o compositor sem esperança, Salieri então oferece ajuda e Mozart, confiando em seu amigo, permite que Salieri veja-o trabalhando, o maior ato de confiança do músico que definha na cama a passadas largas.

Começamos a composição. O medíocre se depara com a genialidade.
Salieri se esforça para acompanhar Mozart que monta toda a composição na sua cabeça e descreve ao seu amigo impressionado a sua mágica musical. Pela primeira vez Salieri assiste a ferramenta de Deus, o seu filho predileto, tocado pela providência de inspiração.
A esposa sentindo a morte do seu marido corre contra o tempo para reencontrá-lo, Salieri corre contra o próprio destino que traçou para terminar Réquiem e Mozart luta vorazmente contra a natureza para se tornar imortal através da música.

“Mozart – Quer descansar um pouco?
Salieri – Não... não, eu não estou cansado.
(Mozart ofega)
Mozart – Vamos parar (ofega) por um momento e depois terminaremos a lacrimosa.
Salieri – Te asseguro que posso continuar.
(Mozart ofega)
Mozart - Você vai ficar comigo enquanto eu durmo um pouco?
Salieri - Não vou te deixar.
Mozart - (risos) Estou tão envergonhado. Estou tão envergonhado.
Salieri - De quê?
Mozart - Eu fui um tolo, eu ... Eu pensei que você não ligava para o meu trabalho, ou para mim. Me perdoe ... me perdoe.”
Mozart, o original, pressentindo a morte escreve enquanto compunha Réquiem:
“Temo que esteja escrevendo este Réquiem para mim”.

A esposa finalmente volta para casa enquanto Amadeus e Salieri dormem. Amadeus mal tem forças para falar, Salieri e a senhora Mozart discutem sobre Réquiem até que percebem a morte do compositor que é enterrado ao som do próprio Réquiem como pensou desde o início Salieri, mas incompleto. Enterrado em uma cova rasa e sem nome Wolfgang Amadeus Mozart é posto.
Dessa maneira termina o relato de Antonio Salieri com a risada de Mozart.

 “Salieri: Eu falarei por você, padre. Falo por todas as mediocridades do mundo. Eu sou o campeão deles. Eu sou seu santo padroeiro. (Salieri caminha pelo manicomio em uma cadeira de rodas). Mediocridades em toda parte ... Eu te absolvo ... Eu te absolvo ... Eu te absolvo ... Eu te absolvo ... Eu te absolvo a todos”

Ato V
Salieri nos diz algo que é óbvio. Conviver com alguém melhor que você é insuportável, diria que maior parte das vezes. É uma humilhação continua.
Vamos criar um outro Amadeus, outro que foi amado por Deus, e trazer essa figura para a mesa.

Primeiro, o básico, ela é mais bonita, não preciso entrar em detalhes bobos, pensem em alguém bonito e pronto. A beleza é uma mistura entre acaso e sorte. Verdade que hoje em dia temos a cirurgia plástica que ajuda as pessoas a, talvez, sentirem-se mais bonitas, porém para quem tem dinheiro. Pessoas feias continuaram sendo feias se forem pobres então beleza é fruto do puro acaso genético e tem pessoas que não dão sorte.

Segundo, para aumentar a humilhação de forma gradual, ela tem dinheiro, rica. Ela é bem sucedida, recebe bem, tem um bom emprego ou qualquer coisa semelhante. Para aqueles que dizem que dinheiro não importa é porque não tem conta para pagar ou é tão rico que não sente o dinheiro, mas não entra o caso. Dinheiro, amor e família são três coisas que se deve respeito, pois governam o mundo de uma maneira superior e que nos afeta diretamente.

Terceiro, você pode dizer que o que importa é o que se tem dentro! Bom ponto, mas ninguém enxerga as suas virtudes interiores, somos seres materiais que é ligado ao fisico, o metafisico deixa para a espiritualidade. Uma virtude interior se torna virtude quando é colocado no mundo, notado pelo outro e era timida e constante como dizia o velho Aristoteles (384 - 322 a.C.).

Dentro do terceiro ponto e voltando ao nosso Amadeus, imagine que essa pessoa é mais inteligente. Aprende a disciplina mais rápido, entende as coisas de outra maneira, é criativa enfim, ela é inteligente. Qualquer lugar que exija intelecto vemos isso, alguém se destaca e o resto começa a nutrir aos poucos um rancor estúpido ao redor dela inventando diversas histórias sobre a pessoa porque é mais fácil acreditar nessa paranoia do que compreender a própria estupidez. Orgulho é um pecado não é?

Quarta, para alcançar um novo nível de humilhação, esse Amadeus é dotado da generosidade. Rico, inteligente, bonito e generoso! Uma humilhação completa! Todos acham lindo o generoso, afinal, é uma maneira gratuita de ganhar sem sentir a consciência pesada.

Quinto, agora para destruir completamente a sua autoestima, é modesto. O inferno da sua vida está completo. Inteligente como ninguém, muito dinheiro, dotado de uma grande beleza, não se importa com bens materiais e ainda é modesto! A humilhação se faz completa, ninguém suporta uma pessoa dessa.

Ela aponta para você, sem querer, a sua mediocridade e suas fraquezas afetando diretamente o amor-próprio, o orgulho que todos temos, a autoestima.
Ainda bem que pessoas assim não existem, sempre temos alguns que tem algumas coisas boas e são carregados de falhas e erros podendo manter uma relação saudavel entretanto quando alguém reúne uma quantidade imensa de qualidades nela mesma o que normalmente as pessoas vão querer é destrui-la.

Cedo ou tarde alguém irá ler esse calhamaço e dizer que nunca sentiu inveja ou qualquer coisa parecida, dirá que só sente admiração. O sentimento de admiração é ótimo, mas agora, digo-lhe, admiração e inveja são os dois lados da mesma moeda.

O poeta russo Joseph Brodsky (1940-1996) já mostrou que muitas vezes o mal, essa figura mítica e quase extraterreste, usa o mesmo pé de sapato que você.

















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